quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Criadores de estórias.

Os especialistas dizem que só conseguimos lembrar de situações que aconteceram em nossas vidas, a partir dos seis anos de idade. Todas as lembranças que, salvo raríssimas exceções, temos de antes desta idade é fato assimilado por nossas mentes de estórias contadas por outras pessoas. Como os fatos que me recordo já fazem parte de um período após este marco, sou obrigado a concordar com eles.

Mesmo dentro do tempo legal permitido para lembranças, eu pouco me lembro de coisas que me aconteceram antes da adolescência. Vocês devem estar pensando que o melhor para mim seria procurar uma ajuda profissional. Já postei aqui que não lembrava de meus sonhos, agora não me recordo de fatos que aconteceram na minha infância. Prato cheio para um bom analista.

Mas lembranças ou não, o fato é que tenho em minha cabeça uma estória que aconteceu comigo quando tinha dois aninhos. Acho que solidifiquei tão bem o que alguém relatou sobre o ocorrido que guardo até hoje os acontecimentos da época. Para mim aconteceu mesmo, tenho tão clara as cenas que fica a impressão de ser balela o que dizem os médicos.

Eu me recordo e as cenas vão passando como num filme. Com aquela idade, para desespero dos meus pais e irmãs, eu fugi de casa. Na realidade não fugi, sai escondido para ir visitar uma tia que morava no outro lado da cidade, e acabei me perdendo. Lógico que com aquela idade eu não podia ter muita certeza do caminho. Lembro-me que desci a rua da minha casa e sabia que precisava virar a esquerda em algum lugar, e, lógico que não virei. No final da rua tinha um rio, ou melhor, um riacho. No tal riacho tinha uma destas pontes feita de madeira só para pedestres. Lá em Minas o nome disto é pinguela, aqui não sei. Foi a maior aventura atravessar sozinho a tal pinguela.

Agora a parte mais divertida. Atravessei e do outro lado tinha uma rua muito famosa na cidade. A Rua da Luz Vermelha. Já deu para imaginar do que se tratava. Bom para encurtar o causo, depois de algumas mocinhas acharem muito estranho um menino tão pequeno naquelas paragens, resolveram me acolher para saber detalhes do que eu fazia ali. Isto tudo com muita festa, afinal era uma grande novidade. Depois de muitas brincadeiras, bolos e refrigerante, elas decidiram que já era hora de me levar para casa.

Bom a esta altura a minha casa já estava um reboliço. Minha mãe chorava achando que eu tinha sido levado por ciganos. Haviam procurado por todos os lugares onde por ventura eu poderia estar e nada de me encontrar ou ter notícias. De repente alguém olhou para o fim da rua e lá estava eu, vindo no colo de uma das faladas mocinhas da cidade. Lógico que apesar de achar muito estranho, todos agradeceram aos céus meu aparecimento, mesmo desta forma tão inusitada.

Depois de ler este meu relato, lógico que vocês vão concordar com os especialistas. O fato é que realmente criamos estórias em cima do que nos é passado pelas pessoas que vivenciaram os acontecimentos.

4 comentários:

Odilon disse...

Desde os dois anos de idade. Ah, é. E a mocinha foi levar em casa. Que memória, meu.

Falando sério, que fantástica a mente humana. A percepção de que é uma lembrança substitui totalmente a estória contada pelos outros e se acabam criando fatos que a tornam mais real.

Anunciatta disse...

Imagino a alegria das meninazinhas daquela rua ao ver um garotinho perdido. Ainda bem que cuidaram de você. E ainda teve bolinho e guaraná. Agora você devia retribuir a visita, ja que elas devem estar velhinhas.

roberto bezzerra disse...

É tão bom relembrar estórias como esta.....seja lá por que mecanismos elas passem e se modifiquem.
Também tenho várias, desta minha primeiríssima infância.

Adriana disse...

Não "esqueça":os mais antigos guardam a memória do passado e esquecem a recente...cuidado com a idade,mas a sua história é legal!!