domingo, 16 de dezembro de 2007

Maria Fumaça.

Eu tinha dez anos de idade quando sai de Minas e vim morar em São Paulo. Os meios de transporte disponíveis na época eram os automóveis e os trens. Em qualquer um deles as viagens eram extremamente cansativas e duravam em torno de dez a doze horas. A escolhida pelo meu pai foi a de trem. O número de pessoas envolvidas precisaria de dois automóveis. Só explicando, o uso da palavra automóvel é porque, na época, ninguém falava carro, todos tinham automóveis.

Dez horas até Campinas, com o trem da Mogiana, movido a carvão, o tal Maria Fumaça, mais duas horas em trem elétrico, um luxo naquele dias. Enfim meio dia apreciando a paisagem da janelinha do trem. Por ser criança eu tinha prioridade no lugar.

Partimos às 5 horas da manhã. Um verdadeiro batalhão de gente foi se despedir na estação. Como todos levaram um lanchinho para nossa longa viagem, acabamos viajando com muita comida, de bolo de fubá a frango assado com farofa, a quantidade era infinita. De fome com certeza não morreríamos, nem se o trem ficasse parado uns dois dias. Mas não tínhamos o que fazer, naquela época, era deselegante não trazer os lanchinhos.

Deixando uma infinidade de cidades para trás, a tal Maria Fumaça foi sacudindo sobre seu caminho de ferro. Para mim, cuja viagem mais longa até então tinha sido para Guaranésia, uma cidade vizinha onde morava uma tia, irmã de minha avó, a aventura era sem igual. O mês, março. Um calor infernal. A pequena janela, que existia ao lado de nossos lugares, não podia ser muito utilizada. Era perigoso, pois se ficava exposto a queimaduras pelas fagulhas que voavam da chaminé da máquina. Nem pensar em colocar braços ou rosto para fora.

Depois de exatamente dez horas de viagem, repleta de vistas maravilhosas e muita comilança chegamos à estação de Campinas. Ali começou uma nova aventura. Nunca tinha andado em velocidade tão alta como a daquele trem movido à eletricidade. As paisagens passavam, pela grande janela, numa rapidez assustadora. Em pouco tempo descemos na plataforma da Estação da Luz, no centro de São Paulo.

Boas lembranças. Isto faz muito tempo, mas até hoje aventura para mim tem nome - viagem de trem. As emoções da Maria Fumaça foram sem igual na minha vida, encontrando emoção semelhante só quando, com meus quatorze anos, vi o mar pela primeira vez. Mas isto é assunto para outro post.

* óleo sobre tela, Maria Fumaça, imagem obtida no site do artista plástico João Barcelos.

4 comentários:

Adriana disse...

Tenho uma vaga lembrança sobre uma viagem de trem que fiz com meu pai.
Temos ainda,um trecho em Minas que tem Maria Fumaça ,mas me falha a memória agora.Depois morando em BH,não viagei mais de trem.Falar de Minas é muito bom,faz lembranças boas retornarem
Obrigada

Odilon disse...

A terra do meu pai, no RGS, era um polo ferroviário local - Santa Maria. Durante alguns anos íamos visitar o meu avo de trem. A excitação era enorme e a duração da viagem também. Naquele tempo existiam ainda vagões leito e a viagem noturna era muito boa. Lembro com saudades de dormir com o balançar do vagão.

Pena que estas coisas estão ficando só passado mesmo, nenhum plano de desenvolver o setor ferroviário, nem que fosse só o turístico.

roberto bezzerra disse...

Também tenho lembranças bem vivas de viagens de trem assim...
De vez em quando, viajava com minha avó, para visitarmos meu tio em outro estado. Era um aconteci-
mento os preparativos da época: galinha com farofa cuidadosa-
mente acomodada em latas de biscoi-
to, garrafas térmicas com café e nas raras paradas, tomávamos caldo de cana...

Anônimo disse...

ADOREI a história, acho que merece um livro inteiro de memórias. Fiquei particularmente interessada em saber se e como foi o trecho Campinas - SP.